A Tragédia Anunciada do Autor (e sua resposta)

A Cia. das Letras, editora tradicional, abriu recebimento de originais durante dois dias, a partir das 10 da manhã, fechando as submissões ao alcançar 250 originais enviados. Os autores interessados deveriam encaminhar resumo e obra completa, em formatação específica, de um trabalho inédito, ou seja, não publicado de forma independente ou em coletâneas. Quantas regras, não? Falando nisso, dentre as de etiqueta que lembro ensinarem para “autores iniciantes” nas redes, colocando “iniciante” como “em busca da primeira publicação”, havia a máxima de nunca se enviar sua obra para mais de uma editora ao mesmo tempo, visto que elas possuem “network” e podem ver de forma ruim seu desespero de querer ser pago pelo próprio trabalho o mais rápido possível. O ideal seria o envio para uma casa editorial e esperar aprovação/recusa antes do envio para a próxima.  Como, na prática, eles sequer abrem seu anexo por ele estar no fundo de outras dezenas de milhares na pilha, a educação recomenda a espera pela expiração do prazo de resposta da dita cuja, ganhando assim o salvo-conduto de enviar para a outra, passar o mesmo calvário, ensaboar e repetir.

Por um momento, eu tentei. Terminei ALEROS, meu primeiro romance, em 2013 e, após duas revisões internas que tomaram mais dois anos, segui a etiqueta tão bem que tenho o nome de cada editora submetida em cartões de papel, em algum recôndito da escrivaninha. Veja bem, se eu esperasse o espaço de quase DEZ ANOS até a grandíssima Cia. das Letras se disponibilizar para recebimento, eu entraria na corrida dos 250 primeiros gametas a terem o trabalho avaliado de forma séria e, quem sabe, alcançar este grande sonho de ser publicado de forma tradicional. Infelizmente, existe uma coisa na vida chamada “boleto”, e eu, na minha juventude, tinha muita nuvem criativa no lugar de um cérebro prático e acreditava na possibilidade de viver fazendo o que amo e, como dizem os filósofos de redes sociais, nunca precisar trabalhar um dia na vida… Eu sei que você riu com respeito. Estou gargalhando, mas é de desespero.

Então, resumo da ópera: cacei a gráfica que usava a máscara de “editora” de maneira mais respeitável possível, e caí naquela que todo mundo vê, mas não fala pra não ficar sujo na rodinha, afinal, nesta profissão, gotas de dignidade são componente raríssimo de sintetizar, inversamente fácil de perder.  Muitos passaram, passam e, infelizmente, ainda passarão por esta etapa…. Através da dor, aprendi o que nosso triste visionário, Lima Barreto, já falava lá atrás: literatura no Brasil, infelizmente, não era para os pobres. Suas opções envolvem:

  1. Ter o cacife para bancar seu Magnum Opus com pompas e brilhos (e qualquer outra coisa que você queira muito, tipo  um palco no Show da Cidade™, lançar uma linha de cosméticos ou literalmente qualquer outro sucesso comprável).
  2. Deixar seu original mofando na gaveta, como um filho que não precisa ver a luz do sol, e se encaixar no sistema como todo infeliz obrigado a viver numa sociedade capitalista, esperando o próximo eclipse lunar em que as “grandonas” inclinarão seus pescoços e, com sorte, pescarão você e seu sonho de infância.
  3. “Não quero morrer não/ quero outra vida”. Novamente, Lima Barreto. Esta ele escreveu no hospício. Cair na gráfica mascarada de editora em busca de dinheiro de vaidade não parece tão ruim assim, né?

Aliás, por falar em “vaidade”, é isso que a gente não tão de fora assim vê na sua cara, nobre aspirante. Normalizam você pagar para trabalhar e, se você tem esperanças, sinto muito pela sua ingenuidade, mas fazemos em até 14 vezes sem juros com opção de você custear diretamente sua remessa ou tentar abater metade do preço via financiamento coletivo. Se você acredita nalguma “vocação”, sugerimos modificar tal conceito para “facilidade mínima em alguma forma de inteligência criativa”, enquanto você busca alguma forma de sustento viável para um adulto funcional no Brasil;  quem sabe você não consegue fechar um contrato por demanda interessante com suas economias? Ou fica no aguardo do Panteão Brasileiro de Letras organizar um chamado para seu filhote engavetado enquanto chama de “vaidade” a luta dos outros que não podem se dar ao luxo de se encaixar. 

Ainda insiste? Pois o hospício te espera.

Só que, além continuar com nuvens na cabeça, eu sou teimoso. Não sou o alecrim dourado e sensível demais para as engrenagens do Capital; estamos aí, pegando freelas, dando aulas particulares e descolando uma carteira assinada quando a oportunidade surge. Mas já escrevi e publiquei meu segundo romance, VITÓRIA NO INFERNO, em e-book de forma totalmente independente, e cheguei a FINALISTA DO PRÊMIO ODISSEIA DE LITERATURA FANTÁSTICA 2022. Tudo feito de forma totalmente independente, necessitando apenas da plataforma de um bilionário que me paga em amendoim croquíssimo enquanto torra o resto da grana em combustível para foguetes fálicos. Alguém que jamais saberá meu rosto ou o que raios faço me deu mais espaço para ser visto, contribuindo mais para minha trajetória literária, do que todo o meio editorial brasileiro. Eu dedicaria mais caracteres para dissertar sobre este problema, só que to meio cansado de reclamar e, como ainda tenho corda da vida para queimar, tentarei ganhar o dia mais uma vez. Estou para lançar um APOIA.SE do @terrasheitorianas. Minha proposta, além de ajudar nas despesas da casa, é converter parte dos apoios para outros artistas; afinal, VITÓRIA NO INFERNO não chegaria a seu ponto alto sem a arte de capa feita pelo Clayton Kaito (@eu_kaito) e a revisão do Emerson Almeida (@autoremerson), duas almas que tive o privilégio de cruzar no meio de uma piscina cheia de gente talentosa, enfrentando dilemas que eu me identifico e, assim que puder, contribuirei com o meu melhor, para crescermos juntos.

Também tenho o privilégio de manter o campo das ideias fértil graças a uma família incrível que, além de não me jogar na sarjeta conforme manda a tradição, me apoia neste sonho maluco. “Viver da Escrita” é uma das batalhas mais antigas (e perdidas) que existem. Estou nessa para conseguir ou falecer, renascer e tentar de novo, até que meus ossos explodam. Vou finalizar citando Lima Barreto pela terceira e última vez:

“Ah! A Literatura ou me mata ou me dá o que eu peço dela.”

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